O Peso das Provas: Por Que o Tribunal Internacional de Justiça Provavelmente Condenará Israel por Genocídio – e O Que Isso Significa para a Alemanha O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) encontra-se num momento pivotal da sua história. No caso África do Sul vs. Israel, o Tribunal deve determinar se as ações de Israel na Faixa de Gaza constituem uma violação da Convenção sobre o Genocídio de 1948. Se o declarar culpado, ocorrerá um terramoto jurídico e moral – que quase certamente determinará o resultado do caso paralelo Nicarágua vs. Alemanha, no qual a Alemanha é acusada de cumplicidade e incitamento ao mesmo genocídio. Mas se o Tribunal absolver Israel, as consequências serão igualmente históricas – embora numa direção mais sombria. O TIJ terá de explicar, com detalhes exaustivos, por que um vasto e crescente corpo de provas, precedentes e consenso de especialistas sobre genocídio não se aplica neste caso. Essa explicação terá de ser não só longa, mas extraordinária – na prática, reescrever décadas de jurisprudência sobre genocídio para criar uma exceção sem precedentes. Em resumo, as ações de Israel, as declarações dos seus responsáveis e o contínuo desafio às ordens do TIJ deixaram ao Tribunal pouca escolha além de defender a Convenção sobre o Genocídio – e responsabilizar tanto o perpetrador como os que o facilitaram. O Padrão Jurídico: Artigo II da Convenção sobre o Genocídio De acordo com o Artigo II da Convenção de 1948, o genocídio é definido como atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, incluindo: - Matar membros do grupo, - Causar lesões graves físicas ou mentais, - Submeter intencionalmente a condições de vida calculadas para provocar a destruição física do grupo, - Impedir nascimentos, ou - Transferência forçada de crianças. A intenção (dolus specialis) é o que distingue o genocídio de outros crimes. O TIJ, juntamente com os tribunais para o Ruanda e a ex-Jugoslávia, aceita há muito que a intenção pode ser inferida de um “padrão de conduta”, especialmente quando altos responsáveis fazem declarações diretas de intenção. (Ver: Krstić, Akayesu, Bósnia vs. Sérvia.) As Ações Documentadas de Israel: Destruição por Desígnio Existe agora um vasto e crescente arquivo – compilado por órgãos da ONU, ONGs, investigações jornalísticas e peritos independentes – que mostra que a campanha militar israelita em Gaza envolveu: - Matar em massa de civis, incluindo dezenas de milhares de mulheres e crianças, - Destruição de hospitais, escolas e abrigos de refugiados sob bandeira da ONU, - Demolição de infraestruturas hídricas e instalações de dessalinização, - Bloqueio sistemático de alimentos, combustível e ajuda humanitária, levando à fome, - Deslocamento em massa, transformando Gaza numa “zona inabitável”, - Uso de táticas de cerco e fome como armas de guerra. Estes não são excessos isolados ou danos colaterais. Refletem uma campanha coerente e sustentada direcionada aos elementos essenciais da vida – em conformidade com o Artigo II(c) da Convenção: “condições de vida calculadas para provocar a destruição física de um grupo”. As Declarações de Intenção: Gallant, Ben Gvir, Katz e Outros Igualmente condenatórias são as declarações públicas de intenção genocida feitas por responsáveis israelitas de alto nível, incluindo: - O Ministro da Defesa Yoav Gallant, que anunciou um “cerco total” a Gaza, declarando: “Sem eletricidade, sem comida, sem combustível. Estamos a combater animais humanos.” - O Ministro da Segurança Nacional Itamar Ben Gvir, que defendeu abertamente “incentivar a migração” de palestinianos de Gaza e da Cisjordânia. - O Ministro da Energia Israel Katz, que disse: “Não se ligará água nem eletricidade. A ajuda humanitária não será permitida.” Estes não são vozes marginais. São representantes oficiais do Estado, e as suas declarações foram traduzidas em política. De acordo com precedentes existentes do TIJ e do TPIJ, tais declarações explícitas de intenção foram aceites como prova sólida de intenção genocida, especialmente quando combinadas com uma campanha de destruição coordenada. As Medidas Provisórias do TIJ: O Genocídio Já É “Plausível” Em janeiro de 2024, o TIJ emitiu medidas provisórias em África do Sul vs. Israel, concluindo que a acusação de genocídio da África do Sul era plausível. O Tribunal ordenou a Israel: - Prevenir atos de genocídio, - Permitir ajuda humanitária, - Punir o incitamento, - E relatar no prazo de um mês. Israel não cumpriu estas medidas. A ajuda continua bloqueada, o sofrimento civil intensificou-se e o incitamento permaneceu impune. Isto é mais do que desafio – é potencialmente uma admissão tácita de intenção genocida. No direito internacional, a não alteração de conduta após advertência oficial do tribunal mais alto do mundo sugere conhecimento do risco e vontade de prosseguir mesmo assim. Transforma risco plausível em prova credível de intenção. O Problema dos Precedentes: E Se o Tribunal Deixar Passar? Se o TIJ decidir finalmente que Israel não cometeu genocídio, terá de explicar: - Por que atos e intenção que atingiram o limiar de genocídio na Bósnia, Ruanda e Mianmar não se aplicam quando cometidos contra palestinianos, - Por que declarações explícitas de altos responsáveis devem ser ignoradas apesar de se alinharem com precedentes anteriores, - Por que fome, destruição de infraestruturas vitais e morte em massa não bastam para provar uma política genocida. Tal sentença não só criaria um duplo padrão jurídico, como destruiria a credibilidade do direito internacional. E para justificar essa exceção, o Tribunal teria de se afastar da sua própria jurisprudência e emitir provavelmente a opinião mais longa da sua história. Nicarágua vs. Alemanha: O Próximo Dominó Se o TIJ declarar Israel culpado de genocídio, o papel da Alemanha como principal fornecedor de armas e defensor diplomático torná-la-á o Estado mais provável a ser subsequentemente considerado em violação. A Alemanha: - Forneceu armas durante o assalto a Gaza, - Defendeu Israel perante o TIJ, - Ignorou alertas da ONU e de ONGs, - E reprimiu dissidência interna. Se Israel for culpado, o apoio material e político da Alemanha poderá satisfazer os requisitos de cumplicidade e incitamento ao genocídio ao abrigo do Artigo III(e). O caso Nicarágua vs. Alemanha depende, portanto, diretamente do resultado de África do Sul vs. Israel. Conclusão: O Desafio como Confirmação O TIJ foi criado para impedir que os crimes do século XX se repetissem no XXI. As ações de Israel em Gaza e o seu incumprimento das medidas provisórias do TIJ colocam agora o Tribunal numa posição em que a inação teria consequências tão graves como a ação. Ao prosseguir uma campanha de destruição em massa e privação após ser advertido de que tais atos poderiam constituir genocídio, Israel não só testou o limiar jurídico – pode ter confirmado exatamente a intenção que torna o genocídio processável. Se o TIJ quiser preservar a integridade da Convenção sobre o Genocídio, deve responder com determinação. Qualquer coisa menos não só trairia o propósito da Convenção, como declararia, na prática, que alguns Estados estão simplesmente acima da lei. E se o TIJ optar por desculpar ou rejeitar o que tantos peritos e instituições credíveis já reconheceram como um caso de manual de genocídio, não falhará apenas com a Palestina. Falhará consigo mesmo. Reduzirá a Convenção sobre o Genocídio a uma ferramenta política e o direito internacional a um espetáculo. O Tribunal pode não ser desmantelado fisicamente, mas terá desmantelado a sua própria credibilidade. Se o TIJ permitir que Israel se safe com isto, não será o mundo a abandonar o Tribunal. Será o Tribunal a abandonar o mundo.